Planeei-te, foste combinada e projectada arquitetónicamente como um projecto de engenheiria biológica para a perfeição do Amor feminino, entre mim, o teu projenitor e a tua médica.
– Como se faz uma menina? – perguntei à médica?
– Posso dar uns tópicos, mas tudo é falível.
– Não faz mal, eu tento.
Segui religiosamente as indicações. Sabia exactamente o dia da minha ovulação e até lá teria que o fazer, cumprindo certas regras, posições e esquecendo-me do meu prazer físico. Cumpri a allimentação.
E engravidei da minha Princesa desejada.
Ao segundo mês de gravidez, veio a provação: será que realmente a queres?
Saí do médico desfeita em lágrimas. Tinha uma Toxoplasmose Congénita, vulgarmente chamada doença dos gatos, animal que nem tinha em casa.
O médico foi perentório, a criança pode nascer cega, com retardos mentais ou outras deficiências e até nem nascer. Está em tempo de abortar.
O caminho do consultório a casa foi de silêncio absoluto, o meu silêncio indignado com um gato qualquer que nem existia, não um silêncio de introspecção, nada havia a pensar, a não ser reunir forças para acompanhar um Ser que visse ao Mundo na sua própria forma, fosse ela qual fosse.
Podes culpar-me de um egoísmo atroz, de convicções imaturas, de tanto te querer, mas já te amava antes da concepção.
O veredicto estava concluído, seguiria a gravidez até que tu permitisses e Deus quisesse.
Até ao fim da gravidez tomei um antibiótico que serviria para as duas, de 6 em 6 horas, até à hora de nasceres.
Ficámos mais tempo que o normal na maternidade, para que se efectuassem os exames necessários, e afim de baixarmos a tua toxoplasmose, que era muito elevada.
Não se descobriram quaisquer deformações em ti. Eras perfeitinha minha Princesa.
Aos 7 meses, numa visita de rotina ao pediatra, descobrimos que as preguinhas das tuas pernas não eram simétricas. Isso significava que, tinhas uma perna maior que a outra.
Começou uma caminhada para ortopedia. Iriam colocar-te uma fralda de plástico rígido para a displesia da anca. Estava na altura de gatinhares e começares a dar os primeiros passinhos. Esse aparelho ia dificultar tudo. Não permiti.
Em casa, eu própria te tratei a displesia da anca. Dentro da fralda descrtável, colocava transversalmente, várias fraldas de pano, dobradas em rectângulo. Abria a anca o suficiente para que fosse ao lugar e encaixasse no fémur.
Começaste a andar aos 12 meses, naturalmente, mas ainda com as fraldas. O tratamento caseiro, acabou quando tinhas um ano e meio.
Hoje, tens as duas pernas iguais.
Fiz tudo o que pude por ti minha Princesa.
Cresceste saudável, como os teus irmãos. Eras simpática, mas mentirosa e trapalhona.
Escrevias como ninguém… guardo ainda textos teus, dos quais me orgulho muito e alguns trabalhos da pouca escola que fizeste.
Confundias-nos, no entanto, quando nunca aprendias a vêr as horas, ou não sabias quanto eram 10 mais 10, depois de te ensinar-mos repetidamente.
Baralhavas-nos, quando mentias ao ponto de nos trazeres a polícia à porta a questionar-nos.
Mas eras meiga, carinhosa e afável. Nunca nos faltou um beijo ou carícia tua.
Mas, porque não sabes a tabuada? Porque continuas a não saber vêr as horas num relógio analógico?
Quando tinhas dezasseis anos, fui procurar uma vida melhor para nós noutro país. Ficaste com a tua avó, a fazer um curso, que nunca frequentaste.
Quando voltei para te buscar, tinhas um namorado que não quiseste deixar e que acabou por ser o teu companheiro durante anos e de quem engravidaste.
Sempre imatura, sempre sem saber fazer uma conta, mas sempre com um grande poder de argumentação, nem que fosse recheado de mentiras visíveis.
Pedi-te do coração e contra as minhas convicções que não tivesses essa criança.
Pela tua imaturidade, pela tua toxoplasmose, pelas tuas dificuldades finaceiras. Pela tua insegurança, por não saberes fazer a conta entre a altura e o peso da criança, por não saberes ser Mãe.
Mais uma vez argumentaste, dando como exemplo a minha vida, que nada teve a vêr com a tua e hoje, minha Princesa, podes constatá-lo.
Abortaste da tua ffilha, quando ela tinha 4 anos. Entregaste-a, deste-a.
Abortaste da tua família, quando tinhas 24 anos.
Desprezaste-a, esqueceste-a.
Onde estás tu, minha Princesa? Será que pensas que te abortei?
Tive 24 anos para o fazer e nem com os teus retardos o fiz.
Estou aqui, há tua espera Princesa, mas tu abortaste-me.
Que é feito de ti? Dá-me um sinal.
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