Aborto Póstumo

Raquel petite

Planeei-te, foste combinada e projectada arquitetónicamente como um projecto de engenheiria biológica para a perfeição do Amor feminino, entre mim, o teu projenitor e a tua médica.
– Como se faz uma menina? – perguntei à médica?
– Posso dar uns tópicos, mas tudo é falível.
– Não faz mal, eu tento.
Segui religiosamente as indicações. Sabia exactamente o dia da minha ovulação e até lá teria que o fazer, cumprindo certas regras, posições e esquecendo-me do meu prazer físico. Cumpri a allimentação.
E engravidei da minha Princesa desejada.
Ao segundo mês de gravidez, veio a provação: será que realmente a queres?
Saí do médico desfeita em lágrimas. Tinha uma Toxoplasmose Congénita, vulgarmente chamada doença dos gatos, animal que nem tinha em casa.
O médico foi perentório, a criança pode nascer cega, com retardos mentais ou outras deficiências e até nem nascer. Está em tempo de abortar.
O caminho do consultório a casa foi de silêncio absoluto, o meu silêncio indignado com um gato qualquer que nem existia, não um silêncio de introspecção, nada havia a pensar, a não ser reunir forças para acompanhar um Ser que visse ao Mundo na sua própria forma, fosse ela qual fosse.
Podes culpar-me de um egoísmo atroz, de convicções imaturas, de tanto te querer, mas já te amava antes da concepção.
O veredicto estava concluído, seguiria a gravidez até que tu permitisses e Deus quisesse.
Até ao fim da gravidez tomei um antibiótico que serviria para as duas, de 6 em 6 horas, até à hora de nasceres.
Ficámos mais tempo que o normal na maternidade, para que se efectuassem os exames necessários, e afim de baixarmos a tua toxoplasmose, que era muito elevada.
Não se descobriram quaisquer deformações em ti. Eras perfeitinha minha Princesa.
Aos 7 meses, numa visita de rotina ao pediatra, descobrimos que as preguinhas das tuas pernas não eram simétricas. Isso significava que, tinhas uma perna maior que a outra.
Começou uma caminhada para ortopedia. Iriam colocar-te uma fralda de plástico rígido para a displesia da anca. Estava na altura de gatinhares e começares a dar os primeiros passinhos. Esse aparelho ia dificultar tudo. Não permiti.
Em casa, eu própria te tratei a displesia da anca. Dentro da fralda descrtável, colocava transversalmente, várias fraldas de pano, dobradas em rectângulo. Abria a anca o suficiente para que fosse ao lugar e encaixasse no fémur.
Começaste a andar aos 12 meses, naturalmente, mas ainda com as fraldas. O tratamento caseiro, acabou quando tinhas um ano e meio.
Hoje, tens as duas pernas iguais.
Fiz tudo o que pude por ti minha Princesa.
Cresceste saudável, como os teus irmãos. Eras simpática, mas mentirosa e trapalhona.
Escrevias como ninguém… guardo ainda textos teus, dos quais me orgulho muito e alguns trabalhos da pouca escola que fizeste.
Confundias-nos, no entanto, quando nunca aprendias a vêr as horas, ou não sabias quanto eram 10 mais 10, depois de te ensinar-mos repetidamente.
Baralhavas-nos, quando mentias ao ponto de nos trazeres a polícia à porta a questionar-nos.
Mas eras meiga, carinhosa e afável. Nunca nos faltou um beijo ou carícia tua.
Mas, porque não sabes a tabuada? Porque continuas a não saber vêr as horas num relógio analógico?
Quando tinhas dezasseis anos, fui procurar uma vida melhor para nós noutro país. Ficaste com a tua avó, a fazer um curso, que nunca frequentaste.
Quando voltei para te buscar, tinhas um namorado que não quiseste deixar e que acabou por ser o teu companheiro durante anos e de quem engravidaste.
Sempre imatura, sempre sem saber fazer uma conta, mas sempre com um grande poder de argumentação, nem que fosse recheado de mentiras visíveis.
Pedi-te do coração e contra as minhas convicções que não tivesses essa criança.
Pela tua imaturidade, pela tua toxoplasmose, pelas tuas dificuldades finaceiras. Pela tua insegurança, por não saberes fazer a conta entre a altura e o peso da criança, por não saberes ser Mãe.
Mais uma vez argumentaste, dando como exemplo a minha vida, que nada teve a vêr com a tua e hoje, minha Princesa, podes constatá-lo.
Abortaste da tua ffilha, quando ela tinha 4 anos. Entregaste-a, deste-a.
Abortaste da tua família, quando tinhas 24 anos.
Desprezaste-a, esqueceste-a.
Onde estás tu, minha Princesa? Será que pensas que te abortei?
Tive 24 anos para o fazer e nem com os teus retardos o fiz.
Estou aqui, há tua espera Princesa, mas tu abortaste-me.
Que é feito de ti? Dá-me um sinal.

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Cozinhando

CozinhandoVem comigo para a cozinha, vamos pintar a manta, fazer petiscos e bebidas, quiçá saltar para a banca.
Vem, vamos os dois, não quero estar sozinha, mede uma medida de farinha, e abrimos dois limões.
Uma chávena “deleite”, não, não é aí que o pões… mistura com pão ralado, está bem, eu vou para outro lado.
Para quê o avental, se nada há a sujar, só nos vamos besuntar e talvez até suar.
Sabes o que vai ser o jantar? Nem eu, mas não faz mal, dá-me uma pitada de sal,
da tua boca para a minha, regamos agora com caipirinha… vamos sair da cozinha?

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Acabou a escrita.

livro4

Não me apetece escrever, nem viver o que escrevo, nem escrever o que não vivo.
Não há nada para escrever, não há nada para dizer, do que vivo, ou não vivo!
Só vivendo posso escrever, dizendo o que vivi, mas sem ver o que escrevi, não vivi!
Quero parar de escrever, de ler, dizer ou viver, já não há vocábulos na minha vida, que mereçam que os diga.
Posso agora sonhar, dizem! mas de sonhos não quero viver, quero escrever a verdade, do que ficou por viver.
Não quero mais! Acabou! Nada tenho a declarar! Acabou a inspiração de tanta escrita maltida! Acabou, não quero mais dizer o que magoa, o que dói cá no fundo o que acabou o meu Mundo.
Não me apetece escrever, nem viver o que escrevo, nem escrever o que não vivo, nem ser escrava de um livro!

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O Vestido da Princesa

Vestido da Mariana

Boa tarde, queria um vestidinho de festa, para uma Princesa de 4 anos.
Por favor esse não, o mais bonito que tiver. Sabe? É a Princesa da festa, não pode ser um qualquer, dê-me o mais bonito que tiver.
Com folhinhos cor de rosa e um lacinho a condizer, azul com bolinhas brancas, para a família oferecer.
Isso! Esse está muito bem, a Princesa gosta disso.
Pode embrulhar, por favor, em papel especial, como se fosse Natal.
Mas o vestido esperou e sem a Princesa ficou.
A festa não foi a mesma, que sem as bolinhas, a Princesa nem chorou…

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Fui…

Fui

Sou sem que pareça ser
O que não quero parecer
Nem sei se quero ser,
O que a vida me fez ser,
Um osso duro de roer.
E por mais que não seja
Há quem ainda em mim veja,
A pessoa que ainda beija,
Mas quer seja ou não seja
Sou quem ainda aleija.
Sou sem que pareça, dor
Faço-o por amor
Sem que ninguém perceba.

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Violência Doméstica

Viiolencia domestica

– Foste sempre cordial comigo, Amélia, apesar das palmadas aos miúdos, nunca me deste um empurrão que fosse. Não foi?
– Disso podes vangloriar-te. Nunca te toquei.
– Nem quando bebes, Amélia. Nem quando me exiges que faça amor contigo, mesmo encharcada em alcoól. Quando me gritas…
Amélia encolheu os ombros.
– És um imprestável, um impotente Mário e escondes isso na minha bebida.
– É por ser um imprestável, que tenho que te dar todo o dinheiro que ganho?
– Não Mário, o dinheiro é dos dois, a diferença é que tu nem sabes gerir o que comes, nem o mereces!
– E porque me tratas de maneira diferente, à frente dos nossos amigos?
– Queres que eles saibam que não prestas, Mário?
– Mas aos nossos filhos não o escondes. Fazes questão de dizer que quem manda é a mãe. Aliás, estás sempre a dizer-lhes o mesmo, que eles são mentirosos, burros e não percebem nada de nada.
– Não digo nada disso. Estou sempre calada.
– O teu silêncio magoa. Por vezes diz tudo! Foi pelo teu silêncio que afastaste os meus amigos. Nem os deixas vir cá a casa, nem me permmites que esteja com eles. Já nem saio de casa.
– Não sais de casa porque não queres.
– Tenho medo do que possas fazer às crianças se eu sair, ficam aí a um canto a dormir ou a ver televisão, ignoradas.
– Eu vou mudar Mário, vou deixar de beber e deixarei de bater nas crianças e tu passas a gerir o dinheiro. Vou arranjar um trabalho e terei o meu próprio dinheiro.
– Não Amélia, isso foi há 1 ano.

(Baseado nas normas da APAV)

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Eu Bem Te Avisei

EuBemTeAvisei

A expressão mais cruel, que se pode proferir a quem está a sofrer.
O instinto e as vozes de outros disseram-lhe que a encontraria ali, num terminal de autocarros, com a filha de quatro anos pela mão e destino marcado para um trabalho qualquer.
Desde há muito, que as lágrimas haviam secado nos olhos daquela mãe e avó e naquele dia soltaram-se, iria perder as suas meninas, sabe-se lá para onde e para o quê.
Tudo lhe passou pela cabeça, desde tráfico humano ao tráfico de menores, a prostituição, a uma vida que ao fim de tantos cuidados e sacrifícios, não conseguira dar à própria filha.
Foi avisada há muitos anos atrás de nunca dependesse de um homem para ter sucesso na vida, que estudasse, que tivesse cuidado com quem se metia, mas vozes de mães e de avós nunca chegam ao céu.
Vestiu uma roupa que estava ali à mão, e o carro pareceu-lhe um burro, que nunca mais chegava ao terminal.
O terminal estava lotado de gente toda igual e ninguém era igual às suas meninas. Percorreu-o de ponta a ponta e não as encontrava. Desesperou. Segundo lhe tinham dito, ela iria apanhar o autocarro das 10, mas perdeu a hora e só teria o seguinte às 15. Eram 13 horas, teria que as encontrar.
Num canto interior, como que escondida, viu-a de costas, e a sua neta, atenta e irrequieta fixou-a. Foi um grito de alegria, de pedido de colo, de estou cansada: -Avó!
Duas malinhas, do tamanho da menina, acompanhavam-na. Dir-se-ia pelas malinhas, que ia de fim de semana.
Empalideceu:
-Mãe, que fazes aqui?
-Não filha, a pergunta é, que fazes tu aqui, com a minha neta?
-Tenho que sair de casa mãe. Uma casa onde não há comida para mim, nem para a minha filha, onde o meu marido chega todos os dias bêbado, e onde não entra dinheiro de lado nenhum. Encontrei trabalho no interior. Vou para o sul.
Não te quis dizer antes para não te preocupar, mas arranjei trabalho por lá.
-Com quem, onde? – perguntou a mãe trémula de medo e horrorizada pelo que ouvia. – Julgavas por acaso, que te deixava partir assim, para parte incerta, sem contactos, sem falar com as pessoas? Tens vinte e quatro anos, mas nem que tivesses cinquenta, serás sempre a minha menina e terei sempre o propósito de cuidar pelo teu bem estar.
Liga para a pessoa para quem vais trabalhar, quero falar com ela.
E falou, perguntou o que iria a filha fazer. Pediu uma morada, um nome. A senhora do outro lado da linha respondeu com um condescendente:
-Compreendo, também sou mãe.
Esclareceu, que não queria passar um único dia sem saber delas, o que, de pouco serviu.
Imiscuiu-se do apetecido “eu bem te avisei”, a expressão mais cruel, que se pode proferir a quem está em apuros.
Despediram-se com lágrimas e recomendações dos deveres que ainda ficam para trás. Não se deixam pontas soltas, quando se quer começar um vida nova.
A neta, de pé na cadeira, de forma a alcançar bem o pescoço da avó, enrolo-lhe os braços e pediu cansada:
-Avó, leva-me para tua casa!

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…Da música

guitarra

Música, é música, não a sei dizer
Música é tudo o que me toca n’alma,
E faz rir, chorar e escrever.
Toco-a e sinto nas cordas a calma,
De uma canção a crescer.
Umas sinto na cabeça, outras nas lágrimas
Todas me fazem sentir, sorrisos ou mágoas.
Tudo é música para mim, começando em Dó
Passando por oitavas e acabando em Si.
Nunca estou só, incluindo o silêncio,
Tudo é música para mim.
E quando a música toca assim,
Não sou eu que toco música,
Mas a música que toca em mim.

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Designer Gráfico

artegrafica71

Gosto do teu traço, seja ele um risco, ou um laço. Por vezes em photoshop, outras em papel almaço.
Tudo começa num ponto, que vês no teu espaço imaginário, numa figura que abres, em extensões informárticas de tiff, jpeg ou gif, e eu não entendo nada.
Desde a tinta da china, aos layers, já a tinta não é precisa, fazes o flatten da imagem e está a peça em viagem.
Mais a resolução, mas a peça está estudada em CMYK ou RGB. OU O QUÊ?
Dizes por vezes, de soslaio, que dê uma vista d’olhos, no que para ti é um ensaio, para mim é arte aos molhos.
Fazes-me crer assim, que sou o teu tripé, acredita meu artista, que não passo de um godé.

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Forte

Forte

Forte, é aquele que verga e não parte, porque é infinita a força humana, embora o Homem a substime.

Forte, é aquele que vigia e não descuida, que atenta às tormentas da vida e se previne contra elas.

Forte, é aquele que está na mansidão e na tempestade, aproveita as alegrias da vida e com alegria enfrenta a tempestade.

Forte é o que está sempre lá, não abandona, fica.

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Acorda Dalziza

Acorda Dalziza

“(Fado Popular)

I
Acorda Dalziza
Que a noite tem briza
Vem ver o luar!…
Vem ouvir meus cantos
Surgidos d’encantos
Que vem lá do mar!…
São os pescadores
Que cantando amores
Saem barra fora
Remando à faina
Que ao brilhar da lua
Na pronuncia hora.

II
Há sonhos aereos
Nos cantos funereos
Dá-me a serenata
Minh’alma palpita
Da graça infinita
Tua boca louçã
Sou triste que indago
Da prussia que apago
Que me diz querubim
Acorda Dalziza
Que a noite tem briza
Tem pena de mim.

III
Acorda Dalziza
Que a noite tem briza
Tem pena de mim
Que a dormir esquece
Quem por ti padece
Tormentos sem fim
A voz que te chama
É de quem te ama
É do trovador
Que nas cordas de léjia
Gemendo suspira
E pedindo amor.”

Sernache de Bomjardim
19/IV/1921
(Em memória e escrito pelo meu Avô),
António Dias Ferreira

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Não passo 100

Não passo 100

Tenho na minha vida, umas quantas coisas, sem as quais, não passo sem. Não são muitas… aí umas 100. Fui colecionando hábitos e manias, alguns muito feios, dirão, mas são meus, pois são, e não passo sem.
Não passo sem aquela caneca de café, preta por fora e branca por dentro até, onde diariamente coloco cirurgicamente muitas colheres de café, mas não passo as 100.
Não passo sem umas quantas visitas ao espelho, onde me penteio e passo uma base na cara, mais um blush aqui, um eye liner ali e os minutos a passar, mas não passam 100.
Ah! Sem o meu papel e caneta, que aí sim me perco, mas não passo sem e raramente tenho tempo de passar em palavras as 100.
E no carro, que não passo sem, admito aqui, que sabe tão bem, de janela aberta e cabelo ao vento, se me deixassem, eu juro que passava os 100.
A música que oiço por dia, e não passo sem, dessa estou desconfiada, porque é tanta de enfiada, que não me sai da cabeça, até fazia as 100 por hora, mas não passo 100.
Sou comedida afinal, não passo sem, mas não passo os 100.

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PAPEL E CANETA – Capítulo 3 – Prisioneira

Papel e Caneta III Capítulo

Nessa manhã, juntou todos os atributos que lhe eram favoráveis, foi ao cabeleireiro, vestiu os seus jeans mais justos e pintou-se subtilmente.
Vestiu uma lingerie nova e provocante, o que era sinal da sua predisposição para passar uma noite fora, mesmo antes de o vêr!
Era o princípio da tarde de Sábado, quando Isabelle, pegou na mala de mão, cheia do mesmo de sempre, ligou à amiga e anunciou:
– Vou sair agora. Amanhã à tarde tenho que estar de volta, caso contrário, começa a preocupar-te até à manhã de Segunda.
E foi… meteu-se no carro e seguiu as indicações de François. Directa aos subúrbios que não conhecia, e a um momento, que conhecia menos ainda.
Estacionou o carro e telefonou- lhe: – Cheguei.
– Não saias daí, vou buscar- te ao estacionamento.
– Ok, estou num Peugeot branco.
 Esperou pouco tempo, que lhe pareceram ser cinco minutos, e quando olhou para o lado, lá estava François, mesmo colado ao vidro do carro. Sempre um vidro a separá-los.
Ainda bem que previu o que a esperava. François era um homem que despertava o interesse de qualquer mulher por quem passasse.
Cerca de um metro e oitenta e muitos de homem. Moreno e de cabelo preto que esvoaçava ligeiramente com a aragem do momento.
Estava decidida, passaria a noite com aquele homem, que deixara agora de ser virtual, para ser uma oportunidade a não perder.
– É bom ver-te. És mais bonito do que eu pensava…
– Também gosto do que vejo. És uma mulher linda…
– Está então decidido, François?
– Sim, se ainda quiseres, passamos a noite juntos.
Seria toda a tarde de sábado, a noite, e amanhã iria cada um para seu lado.
Talvez para o avisar que nada de mal lhe poderia acontecer, Isabelle pediu-lhe um instante para que pudesse avisar a sua amiga. Assim fez. Pegou no telemóvel e, à frente dele, propositadamente, ligou à amiga:
- Está tudo bem – disse com um entusiasmo que não conseguiu disfarçar, – cheguei e vou ficar até amanhã.
Não poderia agora voltar atrás. Tinha acabado de se entregar nas mãos daquele estranho. Que Deus a ajudasse…
Atravessaram para a rua paralela e entraram num prédio com aspecto vulgar. Uma torre de donzela, com cerca de quinze andares. Isabelle estava atenta aos pormenores, apesar de não parar de conversar, percebeu que o botão do elevador marcava o décimo primeiro andar.
François dizia-lhe, nesse momento, que as suas inquilinas estudantes, passavam o fim de semana com os pais, em zonas rurais
 do país, e que só regressariam na Segunda feira, depois das aulas. Estariam portanto sozinhos, e com a casa toda para eles, apesar
de François apenas lhe mostrar o quarto de banho, a cozinha e o quarto que seria o deles por longas horas.
Não perderam tempo. Depois de uma pequena conversa de circunstâcia, envolveram- se nuns lençóis desarrumados e que já tinham servido. Isabelle perguntou- lhe quem tinha dormido ali, ao que François respondeu:
– Passei cá esta noite.
Teria passado a noite sozinho, ou com outra amante virtual? Seria mais chegado do que dizia, a alguma das suas inquilinas?
Isabelle sentiu- se mal por ali estar, mas agora era tarde demais para recuar, a sua langerie estava agora numa montra sedenta de atenção, uma montra que podia muito bem, ter continuado a ser virtual.
Frenético, e quase a tocar o violento, arrancou- lhe a langerie que Isabelle tanto gostava, era um ponto desfavorável para ele.
O segundo ponto desfavorável, foi quando François se libertou de si mesmo, e perdeu toda a excitação que ela lhe provocara.
Levantou- se e pediu desculpa. Não sabia o que se tinha passado, mas não conseguia qualquer acto sexual. Presenteou- a com um:
-…a culpa é minha, que nem te passe pela cabeça que é culpa tua…
 Isabelle sentiu- se aliviada por não chegarem a vias de facto, a única coisa que perdera até ali, tinha sido a sua cara langerie.
- Sem problema, vamos lenvantar- nos por uns momentos – proferiu ela, em tom de consentimento.
– Vou lá abaixo comprar um lanche para nós – François queria recompensá- la…
– Eu espero aqui por ti, não me vou embora, prometo.
 Sentada num colchão que estava no chão,ao lado da ca cama,ficou a vêr televisão, enquanto esperava pelo tal lanche.
 Bolos de pastelaria e Coca-cola. Pouco importava, era urgente quebrar o gelo.
Conversavam enquanto comiam. Falaram dos seus diálogos pela internet e do que disseram um ao outro,como se de uma conversa de informática se tratasse, falaram desenfreadamente das promessas que não foram feitas e do Sistema Operativo que cada um tinha.
E voltaram para a cama, onde uma noite erótica se adivinhava e aconteceu até de madrugada, envolta em suor e gemidos.
Amanhecia devagarinho quando François lhe sussurou ao ouvido:
- Recebi uma mensagem, tenho que ir trabalhar. O esquentador fica ligado. Fica o tempo que quiseres, depois é só fechares a porta.
Qual porta? A da vida dele, a porta do coração dela ou a porta da rua? A resposta estava na pergunta, era só fechar todas aquelas portas, quando saisse.
François saiu.
Tarde da manhã, porque a noite fora longa, Isabelle levantou- se e tomou um duche.
Havia uns restos de bolos da tarde passada, que se revelavam timidamente na caixinha. Comeu- os. Pegou na chave do carro, verificou se tinha tudo, à excepção da langerie, que ficara esfarrapada na cama.
Dirigiu- se para a porta da rua, a meio do corredor, e tentou abri-la. Ficou pelas diversas tentativas, porque a porta estava fechada à chave.
François só se podia ter distraído. Pelo lado de fora trancara a porta à chave, deixando assim Isabelle, na intimidade daquela casa, que lhe era estranha.
Estava prisioneira. François poderia só voltar áquela casa, no próximo fim de semana. Amber morria lentamente. Estava agora sózinha.
Havia um chaveiro, à esquerda da porta. Tentou todas as chaves, mas nenhuma era da porta de entrada, mas sim das portas
dos quartos.
Abriu um quarto, de uma das inquilinas, e bisbilhotou dentro das gavetas, mas em nenhuma existiam chaves.
Tentou o mesmo no outro quarto, e ainda naquele em que dormira.
Não havia chaves.
Quando tentava telefonar para François, o seu telemóvel ficou sem bateria.
Nenhum castigo poderia ser mais adequado, do que,
o castigo de ficar presa na sua própria identidade. Isabelle revelou- se mais fraca do que Amber.
A casa não tinha telefone, “não fossem as inquilinas abusar”.
Procurou nos móveis da cozinha, mas, mais uma vez, nada encontrou, que a pudesse tirar dali.
Chegou- lhe o desespero, e chorou. Chorou o seu atrevimento, chorou a sua leviandade e chorou, chorou estar ali.
Passava da hora de almoço e teve fome. Não havia mais bolos. Encontrou uma lata de atum nos armários da cozinha, e devorou- a como se fosse a última lata de atum. Mais nada a acompanhar. Nada.
Faltava- lhe ali um computador, mas François não tinha ali conexão à internet…
Nada feito. Talvez esperar que François volte a casa, o que era pouco provável.
Tinha que sair dali.
Da janela do décimo primeiro andar, as pessoas lá em baixo, parecem formigas. Ninguém a ouviria se chamasse, e, nem que ouvissem, ninguém a poderia tirar dali.
Vários vizinhos, dos andares inferiores, vinham de vez em quando à janela, mas nem a comunicação verbal era possível, por causa da altura em consonância com o vento.
Sentou- se a ver televisão, e esperou por nada ou por qualquer coisa.
Talvez uma das estudantes, se tenha esquecido dum livro, e viesse buscá- lo antes das aulas.
Entardeceu… A vizinha do oitavo andar estava a recolher roupa seca.
Isabelle lembrou-se: tinha papel e caneta na sua mala de mão. Andava sempre com papel e caneta.
Arrancou uma folha da pequena agenda, usando a folha respectiva áquele dia. Estava a apagá- lo do calendário.
Começou a escrever:
“Minha Sra., estou em casa dum amigo, que por lapso me trancou aqui de manhã ao sair. Estou sem telemóvel. Seria possível ligar para o número que indico e pedir ao François que me venha abrir a porta? Desculpe e obrigada”.
Gritou com a força que tinha, para que a vizinha ouvisse que Isabelle lhe iria mandar um bilhete.
- Por favor, agarre- o – gritou.
E com delicadeza enviou o bilhete.
Ficou aterrorizada, a vêr o seu bilhete transformar-se em algo menor que um selo dos correios, quando pousou na entrada do prédio.
Mas supostamente, a vizinha tinha ouvido o seu apelo, e prestavelmente desceu à rua e apanhou o bilhete.
Já era noite, apesar de Verão, por volta das vinte horas.
François, chegou às vinte e quarenta e cinco. E abraçou- a. Num abraço que se sobrepôs a tudo! Ao mau dia que teve, à boa noite que passou, ao absurdo da ideia de ter saido com alguém do chat.
Acalmou- a e pediu desculpa, inúmeras vezes, deixando assim bem claro, que tinha sido uma mera irreflexão.
Talvez tenha sido, ou talvez um aviso.
De qualquer das formas, Amber morreu nesse dia e Isabelle nunca mais soube nada de François.

AnaDiasFerreira
23/03/2012

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Arte

DESENHO_6   DESENHO_5

…e tu és Arte a Art(é)s tu.

Medi o quadrado dos catetos, descobri a hipotenusa, fiz do círculo arte confusa e extorqui-lhe o raio da tangente. Quantos triângulos eu não medi? Mas os arcos que fiz, estavam errados em mim.
Pensei mudar de Arte, mas os catetos prederam-se assim em espirais de centro em metros.
De régua e esquadro ao papel, de transferidor e compasso, tinta da china e um laço prenchi de cor o espaço.
E passo a passo em pastel fui fazendo assim, a Arte de escrever uma nova carta no espaço, que nunca pode ficar em branco.
Preciso de Arte para viver, numa caneta, num papel e transferidor, numa palavra numa tinta ou linha, seja ela qual for, preciso, é vital, colar, desenhar, escrever, dançar, tocar e manipular.
Ainda não descobri a minh’Arte de viver e de fazer, mas vou fazendo do avesso, porque não faço, atravesso, é a Arte que me faz a mim.

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Escrita Web

7 November 1886, from F. Reichenbach to his cousin Christian Frautschi

Incluí no meu blog, um novo Tag, a que chamei “Escrita Web”.
Pretendo incluir, em “escrita web”, tudo o que podemos comunicar através de um computador, em toda uma panóplia de escritas que, hoje em dia fazemos através da web, mais do que, com lápis e papel, como :
Cartas de Amor: “Chego, uns minutos antes da hora marcada, e abro o Skype que Deus me deu, estás out, fora do contexto e longe de mim, e espero pacientemente um bip ou sinal de chamada, aguardo, enquanto escrevo num e-mail limpo uma mensagem de amor, amigo ou apenas o que gostaria de te dizer e o tempo é pouco.” in “Conectado”.
Ou em post’s de facebook como mensagens Amor, de filhos para mães:

Rod p:mae Tenho-o ainda nos textos:
Escolhi-te para mim”: “Foi o acaso, a sorte ou fado, nem sei que nome dar a tão contemporânea forma de escolher um caminho e entre tantos remetentes, eu escolhi-te para mim.
Aprendi letra a letra, mensagem a mensagem a gostar de ti.”, onde se pode verificar o encontro e apresentação de um casal, através da web.

Na prosa poética e poemas:
Entendes?”: “Venho por um bocadinho, cheio de lentidão, entendes ou não? Fica uma frase sem sentido, porque só quero que saibas, que aqui estive e deixei um dito.”, onde deixo um post rápido, numa rede social.
Gorgulho”: “…em vez de vídeo é um clip e estás On no Face ou estás Off no Tube.”, e “Ainda que...”: “…ainda que a minha pele seja um vidro, frio e inerte,…”

Todo o conto “Caneta e Papel” é baseado num encontro marcado através de um conhecimento feito pelo chat:
“Amber says: – Bom dia a todos. ❤
Jonnas says: – Bom dia Amber  😦
Amber says: – De que se fala hoje por aqui? 🙂
Ludovico says: – Comentávamos a tua falta ❤
Amber says: – Já cá estou. Mais um dia.. “

Espero assim, fazer-me entender, quanto ao que quero escrever em “Escrita Web“.

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Procurando Formas

desenho

Procuro e ando de forma em forma, geometricamente tocando em ti, subtilmente formando formas de te dizer, o que não sei se queres formar.
Procuro formas de te escrever, de te dizer qualquer coisa de opinião formada e dado adquirido.
Procuro uma forma de não te dizer o que não queres ouvir, ou queres sentir em ti e em mim, de qualquer forma indirecta.
Procuro eufemismos, para te dizer o que não consigo de nenhuma forma, de forma em forma, esforçando as formas direitas e tortas, para te dizer esta forma de sentir.
Sinto e reformulo a fórmula da forma, que sai outra forma do que não quero dizer.
Como hei-de te dizer que, esta é a forma que tenho de formar, o que sinto por ti.
Procuro a tua forma, a forma de te dizer, que entro na tua forma e que até formamos uma bonita forma.

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Pontuação

Vou começar,
Já comecei.

Este poema que nunca direi.
Estas palavras que não saberei nunca dizer.

Vou começar.
Mas já errei…
Foi uma vírgula a mais,
Um ponto final que passei,
Umas reticências que não saberei nunca dizer.

Ainda não comecei,
Mas quando, quando começar
Não vou errar
E então direi
Que já comecei
A escrever
E nada me pode deter.

AnaDiasFerreira/1982

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Teenager

Bela

Menina não acabada
Do ventre da tua mãe,
Criança já educada,
Mas rebelde também.

Sentes o futuro ma mão
E tens muito que sentir,
Pois no fundo do coração
Tens muitas leis a banir.

Sabes sempre o que é bom
Mas voltas sempre a cair
Mudas sempre o tom,
Mas a côr vais repetir.

Rapariga és menina,
Mas pensas que és mulher,
No fundo és criança,
Que já sabe o que quer.

AnaDasFerreira/1982

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Existes?

Tu és raiva
Tu és dor
És sentimento sem amor
És corpo sem iterior
És lençol da minha cama
És a boca que me chama
Sem nome para chamar,
És boneco articulado
Sem coração para amar
És o facto consumado
De um corpo que foi amado.

Tu és da podridão o centro
És preconceito oculto
Tu não és nada por dentro
Tu és apenas um vulto.

AnaDiasFerreira/1982

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A Besta

A_BESTA
E veio dos céus, bramindo urros
E veio da terra, jorrando petróleo.
Os anciãos se juntaram
Mas nada nos contaram,
Houve fome com dinheiro
Houve vaidade nos povos.

E a terra era grande, na sua pujança
Moedas tilintavam entre velhos e novos,
De poucos era o céu,
A pobreza envolta em véu
Aos mais abastados passou,
Esta pobreza por vergonha.

Mas eis que veio a Besta,
Em pão, vinho ou vidas
A sua parte resgatar,
Tudo o que deu havia de levar,
E ao povo o que é do povo
E à Besta o que é da Besta.

E foram décadas de sofrimento
Veio dos céus bramindo urros,
Veio da terra jorrando petróleo.
Os anciãos se juntaram
Mas nada nos contaram,
Houve fome sem dinheiro.

E o povo mudo foi morrendo
E a Besta foi comendo,
Escrito em memos, acordos e cartas
Assinado pela Besta,
Mas o anciãos esqueceram
Que antes da Besta, já estava assinado.

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